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terça-feira, 5 de maio de 2009

Qual a importância do Arroio Dilúvio?



A primeira resposta que nos vem à mente é a questão do esgoto – levar embora a sujeira. Mas esta não é apenas uma questão de higiene. O esgoto de Porto Alegre é responsabilidade de dois órgãos municipais: o DMAE, que trata do abastecimento de água e do tratamento dos esgotos domésticos, e o DEP, que trata do esgoto pluvial, da água da chuva. Em uma de nossas primeiras consultas a técnicos da área ambiental, conversamos com Daniela Bemfica e Juliana Young, do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais), que nos esclareceram algumas das questões que são cada vez mais notícia em vários estados brasileiros: as enchentes, a impermeabilização do solo e a importância dos arroios no escoamento da água da chuva.

O que parece atualmente um problema controlado, se revela o nó da questão para a revisão do planejamento urbano das cidades, dos vales, das áreas baixas do Brasil. O esgoto pluvial não se apresenta como um problema para Porto Alegre, mas escoar a água da chuva é uma das maiores dificuldades urbanas contemporâneas, com a impermeabilização do solo. Muitas reivindicações são feitas quanto a saneamento, no sentido de acabar com o esgoto doméstico “à céu aberto”, com a sujeira, mas o saneamento dos “valões” vai para muito além disso, pois revela uma interdependência ainda maior entre muitas localidades da cidade, que nem imaginam que estão ligadas pela água da chuva. O convencimento da população (moradores, empresários da construção civil, proprietários de imóveis, arquitetos) de como colaborar com essa face do saneamento e conviver com a dinâmica hídrica é complicado. Muitas vezes, a solução reivindicada, a canalização dos arroios pode acelerar sua vazão, necessitando de bombeamento, diques e outras medidas de proteção. A obra do Arroio Dilúvio, fundamental para Porto Alegre, é a expressão máxima desse modelo de saneamento, que reunia ao mesmo tempo a construção de grandes avenidas, a valorização das terras urbanas em áreas alagadiças e o saneamento pluvial e doméstico. Embora tenha resolvido o problema das cheias constantes do Arroio Dilúvio, o modelo de urbanização em que a obra estava inserida passou a ser aplicada a muitas regiões da cidade, fazendo com que a capacidade do solo urbano de absorver a água da chuva diminuísse cada vez mais. A negociação que se apresenta agora é sobre um novo modelo de saneamento, no qual os arroios não sejam mais canalizados, pelo contrário, se prevê uma revisão da construção civil nas áreas em torno dos arroios.

Indicado pelas técnicas do DEP entrevistadas pela equipe de pesquisa, Sr. Leopoldino Borges nos conta as negociações necessárias com os moradores, e a trama institucional que se passa na canalização do Dilúvio nos anos 1950/60. Ele nos conta que, na época, ocorreu um imenso investimento do Governo Federal nas obras de contenção de cheias, de drenagem, de urbanização das cidades brasileiras em conjunto com uma estratégia de controle da fúria das águas. O Departamento Nacional de Obras e Saneamento, no qual Sr. Leopoldino trabalhou, foi responsável por inúmeras obras em Porto Alegre e no interior do RS, com o objetivo de evitar que a grande tragédia da Enchente de 1941 se repetisse. A enchente de 1941, e as cheias seguintes, na década de 1960, revelaram à cidade de Porto Alegre seu frágil lugar na Bacia Hidrográfica: às margens do Lago Guaíba, em uma área baixa, recebe mais de um terço das águas de todo o Rio Grande do Sul. Embora as cheias estivessem presentes na memória dos habitantes, a sua relação com a urbanização não é evidente. A tendência é que o solo urbano tome a frente da água, nas questões fundiárias.



Apesar do investimento ser do Governo Federal, as negociações quanto ao solo urbano são mediadas pelo Município, pela Prefeitura. Ainda hoje, o direito a um saneamento adequado, e as obrigações quanto à destinação correta de efluentes são colocadas a partir de leis federais, enquanto que a gestão deste saneamento cabe ao município. Vemos se processar contemporaneamente esta lógica inversa em muitas cidades do Brasil, atingidas por cheias: a situação de emergência, de calamidade pública convoca o Governo Federal a tomar medidas para remediar a tragédia, os prejuízos. São certamente negociações políticas, mas pode-se também perguntar qual o papel dos demais atores nesta interdependência. Certamente, o reconhecimento desse processo de impermeabilização do solo por parte de quem volta seus projetos de construção para as regiões em torno dos arroios é fundamental, do empresário da construção civil, passando pelo futuro morador de um prédio, até o morador que constrói sua casa com a ajuda de sua rede de vizinhança.

A obra do Dilúvio, apesar de seguir o modelo das canalizações, foi fundamental. Mas novas possibilidades se apresentam contemporaneamente. A virada possível no saneamento contemporâneo é a necessidade de manter, ao longo dos arroios, a mata nativa, a vegetação constantemente cuidada, espaços largos onde a água da chuva que transborda possa ser absorvida. Ainda que se possa construir muros de contenção, diques e outras soluções, a permanência da feição “natural” do arroio, sua inserção no conjunto das obras das vias urbanas, dos espaços destinados à construção civil é fundamental, ou seja, uma nova urbanização se configura neste sentido.
Perguntamo-nos, depois dessa herança das cidades brasileiras, dessa luta contra a água e as áreas naturais no processo de urbanização que marca a memória ambiental de muitas cidades como Porto Alegre, como inverter essa lógica conquistada do concreto sobre a terra a água? Sanear não é necessariamente “limpar”, mas a oposição entre a limpeza e a sujeira, como nos ensina a Antropologia, nos convoca a repensar a ordem do universo, a forma como ordenamos esse arranjo de moradas, avenidas e arroios.

A alternativa contemporânea, de “renaturalizar” arroios no mundo inteiro, não precisaria ainda ser seguida por Porto Alegre, mas certamente, não é mais necessário canalizar, “enterrar” arroios na cidade. Há uma série de iniciativas previstas na cidade, com relação, por exemplo, ao Arroio Moinho, afluente do Dilúvio, que seguem essa nova perspectiva. Prepara-se uma nova etapa do saneamento pluvial na cidade – o debate sobre como fazer contenção de cheias: fazer piscinões como os de São Paulo (onde?), estender a foz do Arroio até mais adentro do Guaíba, lançando lago adentro as águas do Dilúvio? Apesar do Dilúvio parecer “controlado” quanto ao esgoto pluvial, seus afluentes ainda não são. Um debate que as técnicas do DEP prevêem, ainda se colocará presente na cidade.

Créditos das fotos:

Fonte: DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) - Porto Alegre

Fundo de Origem: Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa

Ano: 1951


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