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sexta-feira, 19 de junho de 2009

Avenida Ipiranga, Rua 1(Um) e o Arroio Dilúvio

Ao iniciar uma pesquisa de campo nas imediações do Beco dos Marianos, no início da Avenida Ipiranga, deparamo-nos com um processo de transformação da paisagem análogo a muitos outros ocorridos ao longo do Arroio Dilúvio. Em uma área considerada de “pouca urbanização”, no sentido de pouca dotação de infra-estrutura sanitária e viária, encontramos uma comunidade em um processo de intensa urbanização em termos da ocupação do Morro Santana. Nessa área, o poder público inicia um processo de colocação de rede coletora de esgotos domésticos, para separá-lo das águas do Dilúvio. Outras imagens são escavadas junto à terra, levantando questões como a coleta de lixo nas ruelas e becos, as sub-divisões e pertencimentos da comunidade, a lógica e a memória de ocupação do morro. São questões que começam a ser levantadas por nossa bolsista Renata Ribeiro. Seguem trechos de um diário de campo e uma seqüência de imagens que revelam a futura separação dos esgotos:
Diário de Campo – 03.06.2009

"Saí de casa às 09h e 30min, levando comigo um gravador, papel, caneta, mais a vontade de começar o dia, sentindo o mistério que há até mesmo nas coisas mais banais da vida na busca do estranhamento daquilo que a primeira vista da grande maioria de nós é tão comum e corriqueiro que passa despercebido, e assim, encontrar a problemática da minha pesquisa. Cheguei ao BIEV – Banco de Imagens e Efeitos Visuais – às 10h e 30 min. para buscar uma câmera fotográfica. Ao chegar lá recebi instruções de meus colegas de como deveria utilizá-la além das recomendações da Professora Ana para que eu ficasse sempre próxima ao colégio. Após me despedi indo em direção à parada de ônibus do Campus do Vale – UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Desci do ônibus, exatamente em frente à Escola Estadual de 1° Grau Desidério Torquato Finamor, às 11h e deparei-me com a rua que leva o nome de Beco dos Marianos – esta toda pavimentada de paralelepípedos, com um grande aclive, alguns estabelecimentos comerciais e um caminhãozinho de frete, incessantemente soltando muita fumaça. Assim que avistei este pequeno caminhão, decidi parar e fotografar. Enquanto eu caminhava em direção ao arroio, ainda com a câmera à mão, avistei alguns homens trabalhando em um buraco de esgoto, novamente decidi fotografar. Fui em direção a eles e os cumprimentei, indagando sobre o que estavam fazendo ali. Falaram-me que estavam instalando fios subterrâneos para a CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica, mas que eram funcionários de uma empresa terceirizada a “Henerge Subterrâneas”. Do local onde eu me encontrava, conversando com estes trabalhadores, avistei na Rua 1(Um), tratores. Foi então que novamente dirigi a palavra a eles perguntando se aquela obra, próxima ao arroio, na Rua 1(Um), era uma continuação daquela em que estavam trabalhando. Responderam-me que não, a outra era do DEMAE – Departamento Municipal de Água e Esgoto. Despedi-me deles e fui em direção a Rua 1(Um).

Obras de Instalação de Interceptores ao lado do Arroio Dilúvio, na Rua 1 (Um), Bairro Agronomia. Autor: Renata Ribeiro.

A Rua 1(Um), não sei porque leva esse nome. Na verdade é uma extensão da Avenida Ipiranga. Logo concluí que este nome funciona apenas como referencial, pois esta é a própria Avenida Ipiranga, sem grandes obras de engenharia e com uma longa pista de chão batido. Esta assim como a parte mais urbanizada, segue o percurso do Arroio Dilúvio; porém é muito mais pobre – sem pavimentação e com casas simples, mas em sua maioria de alvenaria. Nesse percurso o arroio sofreu pouca intervenção humana, no sentido de possuir bastante mata nativa, apesar de encontra-se em meio a muito lixo.

Placa demarcando a Rua 1 (Um) que é uma extensão da Av. Ipiranga no Bairro Agronomia. Autor: Renata Ribeiro.

Logo na entrada da rua, avistei à beira do arroio, um cavalete com uma placa branca onde estava escrito DEMAE em azul, sinalizando a obra que estava em andamento. Vi também tratores e homens trabalhando os quais fotografei – em seguida aproximei-me de uma mulher bem vestida que se encontrava ali, também observando a obra. Saudei-a com um bom dia, apresentando-me. Falei-lhe sobre o nosso Projeto e que estava interessada em saber que obra era aquela. Muito simpática e receptiva, cumprimentou-me dizendo chamar-se Gislene – Arqueóloga, professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) e da ULBRA (Universidade Luterana do Brasil). Professora Gislene contou-me que foi aluna da UFRGS no curso de Ciências Sociais; porém em uma época em que os núcleos de pesquisa não eram abertos para os estudantes. Falou-me que aquela obra estava sendo realizada por uma empresa terceirizada do DEMAE, a “Pontual Engenharia”, consistindo no Projeto de Redes de Interceptores do Arroio Dilúvio. Ou seja, futuramente os esgotos não desaguarão mais dentro arroio, seguirão por encanamentos para a Estação de Bombeamento Baronesa do Gravataí, conectada à Estação de Bombeamento da Ponta da Cadeia (Gasômetro), sendo que – de acordo com o Projeto Integrado Socioambiental – somente no bairro Serraria o esgoto receberá o tratamento completo. Fonte: Website da Prefeitura de Porto Alegre: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cs/default.php?reg=107732&p_secao=3&di=2009-05-19

Em seguida Professora Gislene disse que maiores informações técnicas ela não saberia dar e que se eu as quisesse, deveria procurar o Engenheiro Rui da “Pontual Engenharia”. Explicou-me que ela estava lá como Arqueóloga, pois quando obras de impacto são realizadas em locais que não sofreram grande urbanização, é necessário que exista o acompanhamento de um especialista, no caso de existir sinais de antigas populações, habitações – por exemplo – de povos indígenas. Em seguida, apresentou-me aos trabalhadores da obra: Sr. Ronaldo o mestre da obras e Sr. Cassildo o tratorista. Muito simpáticos me cumprimentaram com um forte aperto de mãos. Durante nossa breve conversa, Sr. Cassildo comentou-me, que em outros tempos, viu pescadores no arroio. Por fim, alertaram-me, dizendo que eu deveria me cuidar ao andar por aquela região. Agradeci-lhes por tudo e me despedi dizendo que voltaria lá outras vezes para acompanhar o processo da construção dos interceptores.

Homens Trabalhando na Instalação dos Interceptores do Arroio Dilúvio, na Rua 1 (Um). Autor: Renata Ribeiro.

Segui meu caminho fotografando em direção a casa de Dona Regina, informante a quem prometi em outra ocasião, levar o número de telefone do DMLU – Departamento Municipal de Limpeza Urbana. Durante o trajeto deparei-me com grandes canos de concreto que serão utilizados na obra, os quais também fotografei. Exatamente no momento em que eu iria dobrar a rua Semi Aberto, local onde Dona Regina reside, um cachorro que estava dentro de um pátio sem portão começou a latir, vindo em minha direção. Outros cães se juntaram a este, saindo dos pátios e com cara de poucos amigos. Apavorei-me e decidi seguir o meu trabalho de campo, na outra extremidade do arroio. Ufa!

Subindo a lomba da Rua Beco dos Marianos, encontrei uma mulher que limpava a calçada, catando papéis do chão. Ainda distante dela, fotografei-a,mas logo me aproximei, apresentando-me. Perguntei-lhe qual era o seu nome e se ela era moradora do local. Respondeu-me que se chamava Eliane e que não era moradora, porém já havia residido lá há aproximadamente quatro anos. Então expliquei a ela o que eu estava fazendo naquela região e em seguida me despedi.

Próximo ao meio dia, quando os alunos já saiam do colégio, decidi voltar para o campus. Porém, ainda fotografei um carrinho para a cata de material reciclável e uma caminhonete vermelha vendendo detergente caseiro, que em outra saída a campo já havia visto. Registrei imagens de lixo e madeira à beira do arroio e da serralheria que fica ao lado assim como imagens de uma contenção de pneus.

Contenção de pneus a margem do Arroio Dilúvio na Rua 1 (Um), Bairro Agronomia. Autor Renata Ribeiro.

Por conseguinte, a Rua Beco dos Marianos que se encontra no Bairro Agronomia e leva este nome em função da Faculdade de Agronomia da UFRGS, construída no ano de 1899; esconde uma parte da Avenida Ipiranga menos urbanizada e pavimentada, denominada Rua 1(Um), como citei anteriormente. E é exatamente este espaço deste Bairro formado não só pela Rua Beco dos Marianos e pela Rua 1(um), mas também por outras pequenas ruas é que desejo estudar e compreender. Descobrir como este se constituiu ao longo dos anos e resgatar a memória de como ocorreu todo este processo. Compreender como funcionam as relações neste espaço: se os moradores se consideram pertencentes à comunidade do Beco dos Marianos. Saber de que forma os residentes desta região se autodenominam. Sentem-se realmente moradores do Beco dos Marianos? Ou Será que para eles esta é apenas uma rua, como se encontra no mapa da cidade?

É também minha intenção encontrar ou ao menos tentar compreender, por meio dos relatos de moradores, o motivo da expressiva quantidade de lixo “palpável” encontrado às margens e dentro do arroio. Por fim, pretendo descobrir como percebem esta paisagem e o que ela significa em suas vidas e buscar mais informações, por meio do engenheiro Rui, sobre o Projeto de Rede de Interceptores do Arroio Dilúvio, bem como buscar uma maior aproximação com Arqueóloga e com o cotidiano dos operários da obra."

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