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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O destino da Lomba do Asseio


No que a pesquisa sobre a memória ambiental urbana pode ajudar na compreensão da polêmica da ocupação da orla? A forma como entendemos a trajetória dessa relação da cidade com sua orla reflete nos projetos para o futuro dessa relação. A transformação desse lugar encontra ecos na própria memória da canalização do Arroio Dilúvio - que fez surgir uma área muita valorizada onde havia um “vazio” na cidade, a Avenida Ipiranga.

Dia 23 de agosto de 2009 ocorre mais um capítulo das transformações na orla de Porto Alegre. Um votação coloca em jogo o destino da “Ponta do Melo”, do “Pontal do Estaleiro”, da “Lomba do Asseio”. Um lugar que até pouco tempo atrás parecia não ter a menor importância no cotidiano da cidade, é agora um território polêmico.

O local onde se projeta erguer o empreendimento “Pontal do Estaleiro” sobre as ruínas do Estaleiro Só S.A. é descrito como um local abandonado pela cidade, esquecido, perigoso até. Uma descrição que convence, se tudo que sabemos dele é o que se pode observar ao contemplar o mato tomando conta do lugar, os restos da antiga ocupação. Mas essa é uma imagem bem elaborada, uma ruína é tão produto da ação humana quanto uma construção. A imagem de abandono do local, o vazio que se cria neste canto da orla é uma jogada clássica do modelo de ocupação urbana brasileiro, como demonstram inúmeros estudos sobre o assunto – o poder público investe na dotação de infra-estrutura de saneamento, estrutura viária, e então, em um curto espaço de tempo, terrenos se valorizam imensamente, grandes empreendimentos se viabilizam.

Em 1888 essa ponta ganhou o nome de “Ponta do Melo” em função da propriedade que ali existia e que não incluía a orla. A beira do Guaíba era uma área pública de terras marinhas. Naquele local, no início do século XX foi construído um trapiche para o despejo dos cubos, dos cabungos, com dejetos recolhidos das casas de famílias da cidade. Uma estrada de ferro foi feita para levar o esgoto doméstico da cidade até o trapiche, para ser então despejado no Guaíba. A região ficou conhecida com o nome de Lomba do Asseio, que assim como o cheiro dos cabungos, ainda está presente na memória de muitos moradores da cidade, como nosso interlocutor, Sr. Marco Antônio, morador do antigo Areal da Baronesa:

http://habitantesdoarroio.blogspot.com/2009/06/rede-de-saneamento-e-rede-de-memorias.html

Como atesta o artigo de Elmar Bones, no Jornal Já, a área permaneceu pública, “propriedade do Estado do Rio Grande do Sul em 1944, quando foi devolvida ao município de Porto Alegre e, seis anos depois, concedida pela prefeitura à empresa Só & Cia, então a mais tradicional ferraria e fundição da cidade que pretendia construir um estaleiro no local. Inaugurado em 1952, o Estaleiro Só, tornou-se uma das maiores empresas do Rio Grande do Sul. Tinha 1.200 empregados em 1967, quando a Câmara Municipal votou a lei 3.076 autorizando o resgate do terreno, isto é, a transferência definitiva da sua propriedade para o Estaleiro Só... Mas a mudança não foi efetivada na época. Pouco depois, em dificuldades, o Estaleiro Só foi vendido para a Empresa Brasileira de Indústria Naval (Ebin), do Rio de Janeiro, com o aval do governo federal. Só nove anos depois, em 1976, foi assinada, pelo então prefeito Guilherme Socias Vilella, a “escritura pública de remissão de foro”, ou seja, a transferência efetiva da propriedade do terreno para a empresa.”

http://www.jornalja.com.br/2009/04/30/pontal-do-estaleiro-na-origem-uma-area-publica-2/

O Estaleiro Só, estabelecendo então conexões com a indústrial naval no país, teve um grande crescimento, que entra em declínio a partir da década de 90, quando diminuem os interesses no setor em Porto Alegre. Com a empresa falida em 1995, o terreno foi levado à leilão em 1999, sendo comprado por um grupo de empresas por R$ 7,2 milhões, mas permanecia ainda com seus usos definidos por lei, impedindo atividades residenciais, comerciais e de serviço. Em 2002, foi aprovada a Lei Complementar nº 470, que definiu os padrões de construção permitidos no local, autorizando a construção de empreendimentos comerciais.

Enquanto isso, toda essa região passava por grandes transformações, como a remoção da conhecida “Vila Cai-Cai” e a construção de um hipermercado em seu lugar, a canalização do Arroio Sanga da Morte, a construção do Museu Iberê Camargo, a construção de um Shopping Center, a duplicação da Avenida Diário de Notícias e a remoção de novas habitações populares. Com todos estes investimentos, o terreno na orla do Guaíba, uma área que por lei é de interesse público, cedida ao grupo de empresas por 7,2 milhões em 1999, já se encontrava valorizada em R$ 150 milhões em 2006. E agora, com o grande aumento da circulação de pessoas na região, a Ponta do Melo é tudo, menos abandonada. A aparente ruína é, na verdade, uma área de grande beleza natural, tomada por vegetação que é importante para a manutenção da dinâmica hídrica da orla, para a circulação dos ventos, e que certamente não comporta o aumento de esgoto doméstico que o empreendimento causaria. Por outro lado, é um lugar ideal para a construção de um parque ou uma área pública de lazer, dando continuidade aos usos da orla que ocorrem no Parque Marinha do Brasil e na orla que segue a Av. Guaíba.

Pouca gente sabe que o Parque Marinha do Brasil se encontra num aterro que foi realizado, originalmente, para construção de empreendimentos residenciais. O aterro da Praia de Belas, antiga forma que a baía da cidade possuía, era mais uma jogada do mercado imobiliário, na década de 1960. Felizmente, o empreendimento não despertou interesse de mercado, pois havia ainda receio de uso residencial do imenso aterro. A área acabou sendo destinada para uso público, em lei promulgada em 1967, sendo hoje, um dos parques mais importantes da capital.

A área da Ponta do Melo parece, no entanto, seguir outros caminhos nos embates legais. Em 7 de junho de 2006, o Jornal do Comércio, de Porto Alegre, já noticiava o seguinte:
“- As pretensões do empreendedor só serão viabilizadas, com a alteração da lei complementar n.º 470, de 2002, que, entre outras coisas, veda a construção de prédios residenciais naquele trecho da orla do Guaíba. O diretor-presidente da SVB Participações, Saul Veras Boff, o diretor do grupo Maggi, Fischel Baril e o arquiteto Jorge Debiagi já apresentaram, em maio, ao prefeito José Fogaça, um esboço do projeto. O passo seguinte será convencer os vereadores de Porto Alegre a alterar a lei.”
http://www.ecoagencia.com.br/?open=artigo&id===AUVZ0cWtGZXJlVaVXTWJVU

Em 2009, a alteração foi votada e aprovada pela câmera de vereadores, mas devido à forma como foi votada, e com a grande manifestação de descontentamento de entidades profissionais, associações ambientalistas e da população em geral, o Prefeito José Fogaça vetou a alteração, abrindo para consulta popular a decisão de aprovar ou não atividade residencial neste espaço da orla do Guaíba.
Sobre esse processo, ver a matéria no Jornal Já: http://www.jornalja.com.br/2009/04/29/pontal-do-estaleiro-uma-lei-sob-medida-1/

Se podemos tirar algum proveito dessa história toda, é, pelo menos, o fato de que essa se tornou uma questão pública para a capital, tendo gerada toda uma comunidade ética, voltada para o debate do assunto.

Dia 23, a votação responde à pergunta, um tanto quanto estranha:

“Além da atividade comercial já autorizada pela Lei Complementar nº 470, de 02 de janeiro de 2002, devem também ser permitidas edificações destinadas à atividade residencial na área da Orla do Guaíba onde se localiza o antigo Estaleiro Só?”

As respostas disponíveis:
1 – ( ) NÃO
2 – ( ) SIM

Confira seu local de votação, das 9h às 17h:

http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cs/usu_doc/local_de_vota_por_zona.pdf


Rafael Victorino Devos
bolsista do projeto "Habitantes do Arroio"

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