Quem são os Habitantes do Arroio? São também os moradores das casas, ao longo da Avenida Ipiranga e das ruas que “deságuam” no arroio. Alguns a viram nascer (a Avenida, não o Dilúvio). Outros, nunca o perceberam (o arroio, não a avenida). Habitantes das casas, dos prédios, dos estabelecimentos comerciais, dos escritórios e salas de aula, compartilham as mesmas conexões subterrâneas nas águas que vem e vão, contribuem para o mesmo espetáculo das sacolas coloridas que se encontram pelas calçadas, pelos caminhões, pelas carroças, pelo asfalto e pelo arroio. Quem são?
Quem são os Habitantes do Arroio? Por que não, os seus pequenos e resistentes seres? Tartarugas que se confundem com suas pedras (e com o asfalto), aves cuja leveza parece corrompida pelo peso da água do arroio. Os ratos, as baratas, os carrapatos, as minúsculas formigas, e até mesmo os cães já não nos espantam. Mas por que é tão estranho descobrir peixes em meio às águas de um arroio? Flores às suas margens, garças e répteis sobre suas pequenas pedras? Quem se espanta? Quem não se espanta? E que seres ainda menores carregam esses pequenos seres? Qual o mistério da vida que insiste em habitar esse arroio?
Quem são os Habitantes do Arroio? Habitar convoca seu gesto humano complementar, mover-se, explorar territórios. De carro, a pé, de bicicleta, de carroça, de ônibus. Quem habita as paralelas, as transversais, as esquinas, as pontes do arroio? Quem se abriga sob as paradas de ônibus? Quem se arrisca na faixa de segurança? Quem ousa aguardar nas suas sinaleiras, cruzar seus caminhos, partir, chegar?
Quem são os Habitantes do Arroio? Os moradores das altas e famosas ruas do Petrópolis? Os remanescentes das baixas e infames ruelas da Ilhota, dos becos da Cachorro Sentado? Os pescadores do Jardim Botânico, da Cascatinha? Os mecânicos da Azenha? Os desconhecidos vizinhos da João Antônio Lopes, do Beco Ve Deiros, um pé
Quem são os Habitantes do Arroio? Os distantes moradores da Zona Sul, que vêem chegar o esgoto e a areia do arroio? Aqueles que dormem em Alvorada e acordam no ônibus azul que cruza a Avenida Ipiranga? Os que pagam (e os que não pagariam) pelos segredos de suas águas? Os que sonham com o seu futuro, e os que o desprezam?
O Arroio Dilúvio, que por volta da década de 1950 apresentava águas límpidas, encontra-se poluído, recebendo cerca de 50 mil metros cúbicos de terra e lixo todos os anos, sendo ainda utilizado como esgoto cloacal, como escoamento de dejetos advindos de hospitais e de inúmeras áreas residenciais da cidade. O Arroio Dilúvio nasce na Lomba do Pinheiro, Zona Leste da Capital, na Represa da Lomba do Sabão. Recebe vários afluentes como os arroios dos Marianos, Moinho, São Vicente e Cascatinha e deságua no limite entre os parques Marinha do Brasil e Maurício Sirotsky Sobrinho. Antigamente, o riacho passava sob a Ponte de Pedra, que existe ainda hoje, perto do atual Largo dos Açorianos. A microbacia do Dilúvio tem cerca de
Das suas nascentes na encosta de morros, passando pela Avenida Ipiranga e chegando ao Lago Guaíba encontramos muitas das contradições e desafios contemporâneos dos usos e cuidados com a água na cidade. Ocupações irregulares, usos populares, grandes construções à margem do arroio, o trânsito de carros e carroças, esgotos domésticos e pluviais, o lixo, os alagamentos. Nas águas do Dilúvio, assim como nas águas do Lago Guaíba, muitas imagens da transformação da paisagem urbana são evocadas e muitas inter-relações entre as realidades sociais de bairros nobres, vilas e favelas, zonas comerciais e operárias podem ser evocadas como um ambiente urbano que se percebe pelo conflito, pelo contraste.
Foto:Henrique Amaral ("Porto Alegre Vista do Céu". Ed. Tomo Editorial, 2005.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário